Da Subversão dos Lugares Convencionais de Produção do Conhecimento à Epistemologia de Fronteira: que metodologias podemos construir com os movimentos sociais?
Autora do artigo: Allene Carvalho Lage
Resenha do artigo: Elaine de Paula
A autora levanta, neste texto, reflexões sobre as diversas possibilidades de produção de conhecimento, para tanto, recorre a experiências de movimentos sociais. Utiliza algumas idéias do sociólogo Português Boaventura de Souza Santos para falar que as ausências existentes em diferentes campos não são naturais, mas produzidas. Aponta, ao final, para a possibilidade de produção de pensamentos alternativos e críticos com relação ao conhecimento considerado legítimo e hegemônico.
Na parte introdutória faz referência à Ciência e, portanto, ao conhecimento científico - nitidamente colonial, masculino e branco- Faz um alerta sobre a secundarização de todas as demais formas de expressão que não estejam sedimentadas no conhecimento referenciado e, pretensamente verdadeiro. Ratifica que o conhecimento científico, como única forma de pensar o mundo, elimina todas as demais epistemologias que dele divergem para estabelecer uma hegemonia totalitária.
No subitem: Relativismo, Neutralidade e Objectividade, a autora nos fala sobre a acusação direcionada aos saberes locais como relativistas, ao contrário do universalismo da saber científico; o que acaba por tornar esse último superior perante outras formas de conhecimento.
Nos fala de que os conhecimentos não são neutros, mas, eivados de escolhas políticas. Sobre a objetividade, a autora recorre às idéias de Boaventura de Souza Santos: “A objectividade decorre da aplicação rigorosa e honesta dos métodos de investigação, que nos permite fazer análises que não se reduzem à reprodução antecipada das preferências ideológicas daqueles que as levam a cabo. A objetividade decorre ainda da aplicação sistemática de métodos que permitem identificar os pressupostos, os preconceitos, os valores e os interesses que subjazem à investigação científica supostamente desprovida deles” (p.04).
Prossegue em outro subitem: Pluralidades na e para a Ciência, levantando a idéia de que, a despeito da cultura científica ter um caráter de superioridade e de legitimidade universal, essa mesma ciência tem enfrentado críticas e anúncios por uma ciências multicultural.Toma como exemplo que “o feminismo dentro da ciência proporcionou uma série de questionamentos sobre o histórico monólogo científico, consolidado no seu âmago, como um conjunto de vozes”(p.05). Portanto, reforça a necessidade de abrir o diálogo com os diferentes saberes, com as diferentes vozes.
Novamente cita Santos, para se referir “a perspectiva multicultural que tem vindo a reconhecer a existência de sistemas de saberes plurais, alternativos à ciência moderna ou que se articulam em novas configurações de conhecimentos”(p.06).
No terceiro subitem: Colonialidade e Caminhos para a Descolonização de Saberes, afirma que a “descolonização já não é um projeto de libertação das colônias, com vista à formação de Estados-nação independentes, mas sim um processo de descolonização epistemica e de socialização do conhecimento” (p.07).
Denuncia de que a forma de colonização do conhecimento científico subjugou e silenciou outras inúmeras formas de conhecimento existentes, embora essas mesmas formas sejam invisibilizadas.
Já no segundo item: As lutas Sociais e a Ciência, a autora disserta que ao longo da história são as lutas sociais as grandes responsáveis pela expansão e democratização dos direitos, afirma ainda que os autores sociais destas lutas são diversificados e “contemplam uma gama enorme, quer seja de protagonistas de luta, quer seja de conteúdos de luta, que vai desde os movimentos sociais às associações de desenvolvimento local, desde os intelectuais aos projetos de educação popular, desde os sindicatos às associações de moradores, desde um grupo de técnicos independentes a um grupo de mulheres agricultoras. Desta maneira é que faz sentido os atores sociais atuarem nos seus contextos sociais, de modo a formar, um cenário difuso de lutas por direitos, numa tempestuosa dinâmica de estratégias e ações, que culmine também numa luta pela diversidade e democratização de direitos”(p.09).
No terceiro item:Apontamentos Metodológicos, cita a experiência de duas pesquisas, Brasil e Portugal, em que realizou-se um estudo comparado entre esses dois países sobre lutas por inclusão.
No subitem Sociologia das Ausências, desenvolve parte das idéias de Boaventura Santos. Esse autor demonstra que o que não existe é ativamente produzido como não existente, como uma alternativa desacreditada ao que existe. Ou seja, a questão da não existência incide numa invisibilidade, numa falta de alternativa.
A Sociologia das Ausências, segundo Santos, é concebida como um novo conhecimento de leitura de mundo, contemplando uma realidade mais ampla e inclusiva, e transcendendo uma verdade considerada universal. Logo, a Sociologia das Ausências procura “transformar objetos impossíveis em possíveis e com base neles transformar as ausências em presenças” (p.12).
Essa reflexão é relevante porque leva as pessoas a pensarem que a produção das ausências invisibiliza também os atores sociais e seus saberes, criando uma conformação e uma naturalização dos lugares sociais ocupados na sociedade. Essa reflexão expressa que as imensas desigualdades sociais não são fenômenos isolados, mas fruto de um mundo intencionalmente ‘equivocado’.
O propósito do próximo sub item: Fronteiras/Margens, é o de contribuir para uma percepção mais fluida e menos dicotômica sobre os territórios de luta. A autora aponta que as lutas também ocorrem nos espaços de margens (embora não seja uma luta marginal). O significado de fronteira, como figura de linguagem, ajuda a pensar que ora as lutas ocorrem de maneira mais favorável, ora desfavorável, conforme o jogo político da mobilidade das fronteiras, sem nunca deixar de existir.
Já no último item: Por uma Epistemologia de Fronteira, a autora levanta, por um lado, as reflexões sobre fronteira de Boaventura Santos, como um espaço privilegiado de emersão de novas formas de subjetividade e de sociabilidade; e por outro lado, como um lugar de luta dos movimentos sociais que são capazes de responder aos desafios da produção de um conhecimento crítico, aproximando simultaneamente, ciência, movimento social e realidade.
Uma das conclusões em que a autora chega, com o auxilio dos aportes teóricos por ela selecionados, é o de que é possível construir novos conhecimentos, e uma dessas alternativas é a aproximação com as lutas sociais. E da necessidade de não se aceitar passivamente a subalternidade imposta. Nesse sentido, utiliza a metáfora da fronteira como forma e lugar de produção de pensamentos alternativos e críticos, principalmente a partir dos discursos e das experiências produzidas pelos movimentos sociais e de outros grupos subalternizados e expulsos dos processos de estruturação do conhecimento cientifico.